Foram 10 dias de trabalhos intensos e milhares de pessoas e equipamentos envolvidos. Mas em 10 dias, a China entregou o Hospital Wuhan Volcan. Situado a cerca de 25 quilômetros da zona metropolitana, em uma área de 34.000 metros quadrados, o projeto do hospital surpreendeu o mundo e já está aberto, em pleno funcionamento, para receber e tratar as vítimas do coronavírus.
O PMI São Paulo convidou Eduardo Militão Elias, PMP e CEO da IBEN Engenharia, parceiro do Capítulo, para avaliar o projeto. O resultado é o artigo abaixo, que convidamos para que leia até o fim e compartilhe suas opiniões.
China – O país que construiu um hospital operacional em dez dias
Nos últimos dias, os fatores que levaram a China a construir um hospital em dez dias foram explicados exaustivamente sob o ponto de vista de engenharia. O feito, somado ao interesse pelas notícias que envolveram o novo vírus, despertou a curiosidade de muita gente. Afinal de contas, não é todo dia que se anuncia – e que se cumpre! – a construção de um hospital para 10 mil pacientes em tão pouco tempo.
Do ponto de vista construtivo, o que vimos foi a montagem de um edifício pré-fabricado, uma realização que, apesar de surpreendente, não é inédita para quem acompanha a indústria mundial da pré-construção.
Para mim, sob a ótica de gestão de projetos, esse acontecimento é memorável por demonstrar o alto nível de maturidade que a China possui em um conjunto de talentos que para nós, brasileiros, ainda representa um tremendo desafio. Eles deram uma lição de melhores práticas de gestão de projetos, programas e portfólio, mostrando eficiência e provando seu alinhamento com as melhores práticas de gestão do mundo. Isso ainda precisa ser mais bem compreendido e estudado, porém, tentarei humildemente contribuir com as análises que o fato já recebeu.
A velocidade do anúncio da construção do projeto, frente à notícia da epidemia, demonstra que o governo chinês possui sob seu portfólio um invejável plano de mitigação de riscos. Só de pensar no tempo que levaria para escolher o terreno, obter as licenças, definir o design, aprovar o orçamento, contratar a construtora… Acredito que você já tenha entendido aonde quero chegar.
Realmente, é complicado pensarmos em reproduzir uma situação dessas por aqui. Claro que muitas tarefas estavam empacotadas e certamente várias etapas burocráticas foram agilizadas. Porém, mesmo que as tarefas tivessem sido exaustivamente planejadas, detalhadas e produzidas com antecedência, e ainda que várias etapas burocráticas tenham sido aceleradas no momento em que a necessidade surgiu, o ponto é que só é possível agir com tamanha rapidez mediante uma gestão impecável desde o planejamento de respostas a riscos diversos até as etapas seguintes, que levaram ao pleno funcionamento do hospital neste prazo exíguo.
O mais assustadoramente impressionante, para mim, é saber que o sistema de saúde chinês integrou totalmente ao sistema nacional de saúde um componente novo, um hospital que, poucos dias antes, não tinha existência nem na imaginação de alguém. No nível de programas, isso representa uma eficiência tática incomum para os nossos padrões.
Lamentavelmente, por aqui, a maioria dos hospitais leva mais de dez dias para começarem a operar, e isso após o término da construção. A sugestão de construir e operar um hospital nesse prazo, no Brasil, soaria como triste piada.
A gestão de projetos depende de três elementos, que o PMI® aborda no Triângulo de Talentos:
Estratégia + Liderança + Ferramentas
As Ferramentas que levaram à construção do hospital, como afirmei, não são novidades e poderíamos facilmente empregá-las de modo análogo em território nacional. Da mesma forma como os chineses orientalizaram o projeto europeu e norte-americano, nós poderíamos tropicalizar as soluções deles para, de maneira similar, viabilizar a construção por aqui. Não há impedimentos técnicos para isso!
Já a Estratégia e a Liderança, infelizmente, possuem raízes mais profundas, e é mais difícil replicá-las do dia para a noite, pois Estratégia, em sua origem, deriva de Interesses, Ameaças e Valores, e Liderança, do ponto de vista prático, depende do engajamento de interesses, ameaças e valores. Em outras palavras, as equipes precisam ter os mesmos interesses, possuir valores semelhantes e se sentirem ameaçadas pelos mesmos fatores para não esbarrar em conflitos pessoais e sabotar a execução da estratégia.
Esse último parágrafo pode parecer desanimador para nós enquanto cidadãos, porém, como profissionais empenhados na realização de projetos de sucesso, precisamos nos lembrar de que todo projeto faz sentido quando atende a um interesse ou elimina uma ameaça da organização ou, como no caso do hospital, do governo. Isso, sem ultrapassar os limites de valores estabelecidos por normas, cultura e leis.
Na realidade, acredito que as boas práticas chinesas não precisariam ser estudadas por muito tempo pela nossa comunidade de GP, pois sem demora perceberíamos que somos tecnicamente capazes de fazer, no mínimo, igual; do ponto de vista construtivo, quiçá, uma equipe de profissionais brasileiros poderia até melhorar algum ponto do processo durante a jornada de estudos. Entretanto, se definir Interesses, Ameaças e Valores é algo distante do consenso para nós como país, espero que o leitor compreenda que no universo empresarial isso pode ser superado, já que empresa tem dono e dono possui Interesses, Ameaças e Valores embutidos, como todo ser humano.
Você conhece esses elementos por trás do seu projeto? Por que não descobrir isso hoje, perguntando ao seu chefe ou ao chefe do seu chefe? Entregar um projeto que atenda a essas questões não é possível sem conhecê-las. Explique isso ao seu gestor, se tiver dificuldade para extrair as respostas.
Por último, você está no lugar certo? Você é inspirado ou se sente obrigado a seguir sua liderança?
Quando há engajamento e convergência entre interesses, medos e valores pessoais e os interesses, ameaças e valores dos líderes, as equipes trabalham com menos fricção e os projetos fluem com maior eficiência. Nada seria melhor exemplo do que este hospital que, servindo a um Interesse comum e combatendo uma Ameaça que pairava sobre todos, saiu da inexistência para o pleno funcionamento em apenas dez dias.
*Eduardo Militão Elias tem três livros publicados. O mais recente é PMONEY (2019), que aborda Estratégia + Equipe + Ferramentas e foi prefaciado pelo general Ivan Neiva.